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Ánalise Do Jogo

"Friends who want to stay friends, don't discuss religion or politics. In my case you can add the war to that."  

Cole Phelps

Esqueçam tudo aquilo que já viram até hoje. Ponham de parte as vossas facetas criminosas e vingadoras, que tanto jeito vos deram em jogos como Grand Theft Auto ou Red Dead Redemption: a Rockstar decidiu apostar num título que rompe com a sua linha e que nos coloca no outro lado da lei. O lado “correcto” da lei. Será que esta e outras inovações farão de L.A. Noire uma aposta ganha?

Encontramo-nos no ano de 1947. A Segunda Guerra Mundial ainda se encontra bem fresca na memória de todos aqueles que por ela passaram e que com ela sofreram. Cole Phelps, protagonista da trama, é um dos indivíduos que ainda sente calafrios na espinha cada vez que relembra os tempos difíceis pelos quais passou aquando da sua missão em Okinawa, Japão. Condecorado com uma Estrela de Prata pela sua coragem e dedicação à pátria, Phelps ganhou o estatuto de herói no seu país, tendo integrado o serviço policial da L.A.P.D. (Los Angeles Police Department) após o seu regresso.  

Enquanto a devastação e a miséria arruinavam as ambições e os sonhos da população europeia, os Estados Unidos da América começavam uma época de grande prosperidade económica. O luxo e a extravagância transbordam em cada uma das ruas das principais metrópoles e, como é óbvio, Los Angeles não é excepção: em L.A. Noire, as pessoas deambulam pelas ruas das três grandes divisões (Central, Hollywood e Wilshire) do extenso mapa, vestindo somente fatos de fino recorte ou vestidos elegantes com penteado e chapéu a condizer, esplendorosas vivendas multiplicam-se a cada quarteirão e o número de carros topo de gama que cruzam as estradas da movimentada cidade é enorme. O “Sonho Americano” está presente ao virar de cada esquina e é alimentado, entre outros, pelo crescente desenvolvimento da indústria cinematográfica em Hollywood, sendo tudo isto recriado ao mais ínfimo pormenor com uma qualidade gráfica de se lhe tirar o chapéu e uma banda sonora a condizer, onde o jazz é rei e senhor.

Todo o ambiente circundante, extremamente envolvente e realista, transpira glamour mas, infelizmente, o dinheiro traz também consigo inúmeros vícios, a inveja, a corrupção, o oportunismo, a ganância e, consequentemente, o crime.
É nesse contexto que surge a nossa personagem, inicialmente um mero polícia de patrulha, com o objectivo de analisar e clarificar as causas de tal malfeitoria.

Ao contrário de qualquer outro jogo da Rockstar, onde teremos de nos deslocar até um certo NPC para começar uma nova missão, a história de L.A. Noire encontra-se dividida em casos, que por sua vez se inserem em pastas de diferentes departamentos (Patrulha, Trânsito, Homicídios, Narcóticos e Incêndios). Cada um destes corresponde a um capítulo que pode, ou não, estar directamente relacionado com o anterior, sendo que entre estes normalmente existe um avanço temporal de semanas ou meses e uma cinemática que apresenta alguns dos motivos que levaram Cole a receber o galardão máximo do serviço militar e não conseguir viver bem com isso.

Tal como diz a sabedoria popular, “cada caso é um caso” e, ao que parece, essa frase está tão bem para este título como o Papa está para o Vaticano. Estes começam quase sempre de igual forma: receberemos instruções do nosso superior sobre um crime que ocorreu algures pelo mapa, deslocar-nos-emos até ao local e começaremos a primeira fase da investigação – ir em busca de pistas, a primeira particularidade na jogabilidade deste drama policial.

Enquanto vagueamos pela cena do crime, uma leve música acompanha-nos para nos auxiliar na detecção de provas válidas (na versão PS3, o Dualshock também servirá de auxiliar com a sua vibração, embora qualquer uma das duas opções possa ser desactivada) que posteriormente nos irão ser extremamente úteis noutras fases da investigação. Algumas delas terão sido previamente marcadas (com as famosas chapas amarelas com letras do abecedário) por agentes que chegaram com maior antecedência ao local, ao passo que outras requerem a nossa inteligência, desconfiança e sorte para serem descobertas. Com o tempo despendido a analisar cada hematoma, cada rasto de sangue no chão, cada pegada ou cada objecto, os jogadores começarão a aperceber-se de que L.A. Noire não é, de todo, semelhante a qualquer outro jogo da Rockstar. A acção frenética foi subtilmente substituída pela averiguação minuciosa de dados recolhidos, algo que poderá não agradar à totalidade dos fãs de anteriores títulos da empresa mas que encaixa que nem uma luva no conceito do jogo.

Após a descoberta das pistas, normalmente entraremos naquela que é a fase mais importante de cada caso: os interrogatórios. É aqui que podemos encontrar a verdadeira essência de L.A. Noire e o motivo pelo qual o trabalho da Team Bondi tem sido tão aplaudido: as expressões faciais.


Estas são, pura e simplesmente, um regalo para a vista. Uma tecnologia inovadora, nunca antes implementada num videojogo de uma forma tão perfeita, que deixou meio mundo boquiaberto… e com razão. Algumas caras que marcam presença neste título serão certamente reconhecidas automaticamente pelos amantes de séries americanas, começando pelo próprio protagonista, Aaron Staton (Cole Phelps), sendo este um dos membros do
elenco da série Mad Men. John Noble (Fringe), Greg Grunberg (Heroes) e Adam Harrington (Dexter) também não serão por certo estranhos aos olhos da grande maioria dos jogadores, ainda para mais quando a uma representação tão fidedigna do aspecto visual se junta um trabalho vocal simplesmente imaculado feito pelos próprios.

O mínimo detalhe, como um levantar de sobrancelha, um testa enrugada ou um engolir da própria saliva, poderá ser uma pista importante no frente-a-frente com as testemunhas. O sistema de conversação é bastante básico, mas exige uma atenção extrema da parte do jogador. Após a recolha de pistas, estas darão origem a uma lista de perguntas que serão anotadas automaticamente no nosso caderno de apontamentos e que serão colocadas, no momento oportuno e na ordem que o jogador quiser, ao suspeito interrogado. Este irá reagir às nossas questões (acusações) com a sua versão dos acontecimentos, cabendo-nos a nós analisar a informação recebida e verificar se a expressão facial do indivíduo coincide ou não com o seu relato.

Para tal, após uma pausa na conversação, teremos a oportunidade de escolher uma de três diferentes opções: Verdade (quando temos a certeza absoluta de que o que o suspeito diz é verídico), Dúvida (quando temos a certeza que o indivíduo não nos está a contar tudo aquilo que sabe, embora não tenhamos informação que prove o contrário) e Mentira (quando temos a certeza absoluta de que aquilo que o suspeito diz não corresponde à verdade e temos provas que o demonstrem). Teoricamente tudo parece muito simples, mas com o controlador na mão
por vezes pode ser um osso duro de roer. Uma prestação positiva poderá desbloquear novas perguntas, assim como o inverso nos pode deixar mais longe da resolução do caso e até levar a culpar alguém que, na realidade, é inocente.

De modo a evitarmos que a segunda das opções se torne verdade, teremos à nossa disposição pontos de intuição que serão conquistados mediante o nosso rendimento no decorrer do jogo. Com estes poderemos deixar à vista no mini-mapa a localização de todas as pistas que ainda não foram descobertas, assim como poderemos evocar um momento “Quem Quer Ser Milionário” e eliminar uma das respostas incorrectas numa qualquer questão colocada num interrogatório ou “perguntar à comunidade” e ver a percentagem de jogadores espalhados pelo mundo que respondeu a cada uma das perguntas.

Mas L.A. Noire não é composto somente por investigações e interrogatórios. Também as perseguições e algumas sequências de tiroteio são elementos fulcrais para o desenrolar da estória.

Como seria de esperar, nem todos os suspeitos reagem de igual forma às adversidades: enquanto uns cooperam, outros dão corda aos sapatos e fogem a sete pés. Seja em corrida ou ao volante de um dos 95 veículos inspirados em modelos reais da época, o nosso objectivo é sempre o mesmo – não deixar fugir o sujeito.

A perseguição pedestre é uma das poucas situações em que poderemos utilizar a nossa arma, embora de uma forma limitada, servindo somente para intimidar o suspeito. Se este se mostrar agressivo e se revelar um perigo iminente para os outros ocupantes da via pública, obviamente que teremos o direito de disparar a matar.

Na perseguição com automóveis a história já se torna um pouco diferente. Perante a nossa indisponibilidade para conduzir e disparar ao mesmo tempo, deveremos confiar essa segunda tarefa ao nosso colega de investigação, que tentará imobilizar o veículo apontando repetidamente para os pneus do mesmo. Apesar da velocidade de alguns carros da época, como o Ford V8 Sedan ou o Chevrolet Styleline, não ser tão estonteante como em modelos bem mais actuais das mesmas marcas, a adrenalina está garantidíssima. Isto porque todos os danos que façamos na via pública, desde estragos causados a outros automóveis, passando por atropelamentos a cidadãos inocentes e terminando na danificação de elementos como postes de electricidade ou vedações, se irão reflectir na classificação obtida no final da missão.

Esta irá de uma a cinco estrelas e terá como componentes de avaliação o número de pistas descobertas, o número de questões acertadas nos interrogatórios e, como referi anteriormente, o prejuízo
causado na via pública. Se não tivermos cuidado, poderão acontecer algumas situ ações frustrantes como descobrir todas as pistas e acertar todas as questões e, no final, recebermos somente uma classificação de três estrelas.

Para evitarmos que isto aconteça, poderemos pedir ao nosso parceiro que conduza até ao local desejado. Não teremos que visionar todo o percurso, sendo que somente os momentos preenchidos com as conversas mais importantes serão apresentados. Desta forma não corremos o risco de ser penalizados pela nossa falta de paciência ou de habilidade ao utilizar o travão. Embora assim o seja, não deixa de ser engraçado reparar que a inteligência artificial do nosso colega na hora de conduzir é simplesmente ridícula, não tendo sido poucas as vezes em que pude contemplar um ou outro acidente mais absurdo.

O único ponto negativo de optar por não conduzir até ao local estipulado é mesmo o de não termos a possibilidade de executar nenhuma das 40 missões alternativas. As informações sobre as mesmas só surgirão enquanto estivermos por detrás do volante, isto porque a central só nos conseguirá comunicar através do intercomunicador presente no automóvel, o que oferece um maior realismo à experiência. Estes crimes de rua são variados e podem ir desde perseguições, passando por situações mais delicadas como a tentativa de evitar suicídios e terminando em grande com espectaculares sequências de tiroteio, onde poderemos finalmente dar uso a armas sem qualquer tipo de restrição.

Quando as balas começam a voar, no que diz respeito às físicas, L.A. Noire encontra-se claramente atrás do anterior título da Rockstar, Red Dead Redemption. Aqui, um tiro numa perna não deixa o adversário a coxear, ficando assim a ideia de que não haverá assim grande diferença entre apontar para a ponta do pé ou para o peito. Ainda assim, muitas destas sequências estão muito bem trabalhadas. O sistema de cobertura é bastante competente e realista: enquanto estamos escondidos por detrás de um qualquer objecto gritando frases de incentivo à rendição (algo que só por si é espectacular devido ao detalhe das expressões faciais), a constante chuva de balas deixa-nos mais expostos devido à destruição que provoca. A inexistência de um indicador de balas restantes, apesar de poder vir a fazer falta, é uma grande jogada pela parte da Team Bondi, que através de pormenores como este demonstra a sua real intenção de fornecer um produto o mais realista possível. Como cerejas no topo do bolo temos, para além dos inevitáveis headshots, os hatshots e as marcas de sangue que ficam entranhadas no fato de Phelps… mas por um tempo limitado. 


Embora este seja um jogo sandbox, ou seja, em mundo aberto, a noção de uma falsa liberdade “assombra-nos” ao longo do percurso. Sentimo-nos indirectamente presos a cada caso, sendo que a dedicação que cada um destes merece deixa-nos psicologicamente afastados da vontade de fazer qualquer outra coisa. Mas não se preocupem pois, após o término da nossa função em cada um dos departamentos da L.A.P.D. surge, para além
de todos os casos que podem ser repetidos quantas vezes quisermos, um nível especial de seu nome The Streets of L.A. Aqui poderemos fazer patrulha livre pelo extenso mapa do jogo, terminando todas as missões secundárias (Street Crimes), desbloqueando os restantes veículos e descobrindo todos os pontos de referência e rolos de filme (50 e praticamente impossíveis de encontrar durante a resolução dos casos devido à sua linearidade) que, por falta de vontade ou qualquer outra razão, não aceitámos no decurso da estória.

Apesar de ser um grande jogo, L.A. Noire não deixa de ter alguns defeitos que não passam ao lado das alminhas mais atentas. Apesar das excepcionais animações no que diz respeito às expressões faciais, a restante parte gráfica parece não corresponder: os movimentos corporais nem sempre parecem tão naturais como deveriam quando conjugados com a fisionomia facial, já para não falar de que, em alguns casos, as faces parecem uma simples colagem de algo realista num corpo de borracha. Alguns dos efeitos sonoros não se encontram coordenados, sendo possível reparar nisso em algumas sequências de combate corpo a corpo ou até em algumas cutscenes. Apesar das grandes melhorias feitas ao motor de jogo de GTA IV, continuam a ser evidentes alguns (raros) glitches, inúmeras quebras de framerate e algumas sombras muito mal feitas. Tendo em conta que a nossa personagem se encontra em constante contacto com água, seria de esperar que esta, tal como acontece, por exemplo, em Uncharted, deixasse a personagem ensopada durante algum tempo, mas isso nunca acontece. A ausência de pontos de gravação, sendo tudo automático, a impossibilidade de repetir interrogatórios sem ter de reiniciar o caso e de fazer skip em algumas cutscenes relacionadas com a estória são aspectos podem deixar alguns jogadores um pouco indignados. O sobreaquecimento do sistema é um facto embora, no meu caso particular, este nunca tenha desligado ou reiniciado automaticamente, nunca passando do modo “aspirador + aquecedor”.

Por último, e embora não seja propriamente um defeito, está a ausência de um modo multiplayer. Embora este não seja propriamente necessário, os fãs da Rockstar que experimentaram o modo online de Red Dead Redemption estariam certamente à espera de algo semelhante neste novo título, o que acabou por não acontecer. Apesar de L.A. Noire ser um jogo com uma grande longevidade, com a ausência de um modo multijogador competitivo muitos jogadores não terão razões para voltar após o final da campanha.

L.A. Noire é um jogo com um enredo simplesmente genial e com uma narrativa assombrosa, onde a intriga e a traição são constantes, assim como a presença, directa ou indirecta, de temas como o racismo, a religião, o álcool, a droga e a emancipação da mulher. A alusão a algumas personalidades como Orson Welles ou Marilyn Monroe, a alguns casos mediáticos que nunca tiveram resolução como o de Black Dahlia e a algumas marcas que ainda hoje são sobejamente conhecidas como a Kellogg’s ou o The Times enriquecem este título com uma boa dose de realismo e elevam-no a um novo patamar de experiência interactiva.

 
No cômputo geral, L.A. Noire é um jogo espectacular, embora esteja longe da perfeição. A Team Bondi e a Rockstar decidiram arriscar num estilo de jogo completamente diferente e relativamente arrojado. Aposta ganha. Este trata-se seguramente de um “caso sério” na corrida para melhor jogo do ano 2011.

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