Antes demais, devo confessar que
God of War nunca foi a minha série de eleição. Sempre olhei para os dois títulos protagonizados por
Kratos como fontes de violência gratuita e desnecessária de modo que só me aventurei a jogá-los para ter bases sólidas para fazer a análise ao terceiro e final capítulo desta tragédia grega do Deus da Guerra.
God of War agradou-me pela sua história, uma tragédia clássica em que o herói procura livrar-se das suas tormentas sem sucesso. Já
God of War 2 me pareceu uma repetição do primeiro, tirando o facto de que enredo se ligava ao primeiro de uma forma meramente cronológica sem quaisquer laços que justificassem este segundo título em termos de história.
God of War 3 corrige-me a opinião atando todos os eventos de uma forma coerente com um final digno de um filme de renome e fá-lo com os melhores gráficos que esta geração de consolas viu até ao momento.
Pessoalmente acho que
God of War 3 tem, entre o seu conjunto coeso, dois elementos que o tornam soberbo. Estes são os gráficos e a história. Como não pretendo estragar a história a quem ler esta análise, arrumo desde já este assunto. Na base de toda a violência e de toda a destruição provocada por
Kratos está uma narrativa sólida sem qualquer falha ou fraqueza e acima de tudo um protagonista com propósito que não se limita a ser um bárbaro dedicado ao caos aleatório. Os deuses do Olimpo, os Titãs e todos quanto aparecem em
God of War 3 têm personalidades próprias e genuínas dando vida ao mais pequeno participante desta história.
Graficamente
God of War 3quebra os limites estabelecidos por outros colossos visuais como
Uncharted 2,
Heavy Rain e
Final Fantasy XIII, sendo que os dois primeiros são igualmente exclusivos
PS3. É já recorrente a noção de que o que distingue um jogo bom de um excelente são os pormenores e há destes amiúde em
God of War 3. Os poros da pele são visíveis, o sangue dos inimigos mancha o corpo, lâminas e armadura de
Kratos e o chão, o vapor de ar que sai nas narinas de minotauros indefesos à beira da morte provocam uma onda de calor e as texturas estão simplesmente impecáveis com especial menção para os efeitos da água que brilha, reluz e corre tal e qual a sua fonte de inspiração real.
Os cenários estão minuciosamente detalhados e as diferentes zonas percorridas em
God of War 3 são bastante distintas. Outra coisa a apontar é o facto de um cenário, em particular os exteriores, nunca estar estático ou vazio. Há sempre qualquer coisa a acontecer. Os
Titãs escalam o
Monte Olimpo enquanto lutam contra os olimpianos que os tentam parar, corpos caem para os abismos, harpias voam ao longe, tornando o mundo de
God of War 3 vivo.
Os movimentos das personagens quando falam e se exprimem são o toque final de excelência nesta obra magnífica. Contudo, não há bela sem senão e, enquanto não estão mal, há três ou quatro personagens secundárias que destoam por não estarem tão pormenorizadas. Não posso deixar de referir que todas as cut-scenes utilizam o sistema de gráficos
in-game.
A sonoplastia em
God of War 3 também corre sem erros. Os passos de
Kratos, os cascos dos minotauros e centauros, o metal das armas, a colisão dos corpos e, em especial, as correntes das lâminas, tudo tem o seu som e a sua representação está espectacular. A banda sonora é, como era nos títulos anteriores, épica e belissimamente encaixada, tanto no tema como na acção.
Em relação à prestação portuguesa, esta não está mal e
Kratos conta com a voz de
Ricardo Carriço para lhe dar vida. Por gosto pessoal, prefiro experienciar qualquer obra na sua língua original mas o esforço da
Sony em localizar o seu produto para abranger um público mais vasto e oferecer mais escolhas aos jogadores não pode passar despercebido e sem mérito.
Com apresentação feita, grafismo e componente sonora endereçados, é a vez de esmiuçarmos a jogabilidade de
God of War 3. Por muitos pormenores visuais e detalhes sonantes que tenha, um jogo é tão bom quanto a sua jogabilidade e o maior erro que
God of War 3 podia correr era ser igual às suas duas iterações anteriores.
Não o é.
God of War 3 mantém os elementos de acção e aventura que marcaram presença nos anteriores e constrói sobre os mesmos, especialmente sobre o sistema de combate, algo de essencial num título do género. Esta evolução vem com algumas modificações, primariamente ao mapeamento dos controlos e depois ao nível da própria jogabilidade.
A primeira diferença a notar é incapacidade de escolher o tipo de magia através das setas de direcções. Estes botões servem agora outro propósito, sendo que a cada direcção é atribuída uma arma e a cada arma está atribuída um tipo de magia. Posto isto, no final do jogo
Kratos terá cinco armas à sua disposição, entre as quais as novas
Lâminas do Exílio (iguais às do
Caos de
God of War e às de
Atena de
God of War 2), as
Manoplas do Leão disponíveis na demo, a
Lâmina do Olimpo e outras duas que não nomearei nem revelarei o modo pelo qual
Kratos toma posse das mesmas.
O que
God of War 3 faz de diferente dos anteriores é tornar cada arma relevante. Em
God of War e
God of War 2 eu limitava-me a evoluir as
Lâminas e uma ou duas magias que valessem a pena e chegava-me. Para além de cada arma ter uma magia e combos distintos, em
God of War 3 diferentes tipos de inimigos reagirão de diferentes formas a cada arma. Os próprios movimentos de
Kratos diferem consoante as lâminas que o espartano empunhar. A
Lâmina do Olimpo desta vez corresponde à lenda e é verdadeiramente poderosa. A contrapartida é que só a podemos usar quando o medidor, anteriormente preenchido pela raiva dos titãs, estiver cheio.
Novos movimentos tornam o portfolio de
Kratos mais robusto com especial atenção para a combinação
L1+O em que o
Fantasma de Esparta atira uma das armas que se prende a um inimigo e se atira contra o mesmo ou, no caso das
Manoplas do Leão, puxa o inimigo contra si e o projecta pelo ar com um murro directo. Este movimento com as
Lâminas do Exílio serve também para atravessar precipícios agarrado às pernas de harpias ou regressar rapidamente ao combate quando somos atirados para o ar pela investida de um minotauro.
Graças aos gráficos e ao sistema de física melhorado, as batalhas de
God of War 3 são muito mais físicas, muito mais palpáveis. É, em grande parte, aqui que reside o brilho do título. Mesmo para alguém como eu que descuida o incentivo de jogar
hack ‘n’ slash, o combate de
God of War 3 é um prazer pelo contacto sensível e pela multiplicidade de movimentos à nossa disposição. Digo multiplicidade e não variedade exactamente pelas combinações mais que muitas que
Kratos dispõe desde
combos, acções especiais e magia.
Muitas foram as vezes que utilizei um inimigo mais fraco para causar dano a ciclopes ou outros de grande porte, atirando-o pelo ar contra um dos mais perigosos. Houve também vezes em que me agarrei a um destes guerreiros mais frágeis e me lancei pelo meio da multidão abrindo caminho com o corpo do meu inimigo para acabar por atirá-lo ao chão ou esmagar a sua cabeça contra uma parede.
É esta liberdade que torna
God of War 3 mais do que um
button masher e contribui para o seu sucesso enquanto obra interactiva. Nunca, ao longo das 14 horas que demorei a passar o jogo (tendo em conta que explorei todos os cantos e recantos), me cansei do combate ou achei repetitivo. Visto que
Kratos está contra o
Monte Olimpo e
Zeus convocou todos quanto lá vivem para a batalha, podem contar com oponentes bastante fortes mas nunca desinteressantes ou monótonos. Cada figura que aparece é um momento de agrado para quem conhece minimamente o panteão de figuras gregas e cada uma tem o seu
modus operandi e forma diferente de se lidar.
O nível de frustração foi também revisto e moldado. Já não há lutas contra o tempo em que se demorarmos demasiado tempo a derrotar uma horda de inimigos o chão desaparece e caímos para a nossa morte ou temos o tecto a cair-nos na cabeça. Há ainda partes em que somos confrontados com armadilhas como picos no chão ou paredes mas nunca nos sentimos injustiçados. Uma outra sequência nova de jogo é a que
Kratos se lança por um túnel vertical elevado pelo vapor que corre o interior. Esta sequência não é única, na medida em que
Kratospassará umas quatro ou cinco vezes pelo túnel, mas o túnel muda conforme os danos causados ao
Monte Olimpo, fazendo com que cada viagem seja sempre diferente.
God of War 3 aponta o término da mitologia grega pela mão de
Kratos. As expectativas estão altas mas na minha humilde opinião acho que a equipa dos
Santa Monica Studiosuperaram tudo o que se pré-concebeu do que seria este título. Não senti qualquer queda no
frame rate embora algumas
cut-scenes (ainda com os gráficos
in-game) tivessem uma suavidade mais acentuada que outras mas nunca com
screen tearing ou paragens de imagem.
Confesso que encontrei algumas falhas, por exemplo o jogo tentar carregar uma área nova mas ficar preso num ciclo interminável ou a dada altura um
boss ficar caído e não aparecer a ordem de comando para iniciar os
quick time events. A área carregar foi uma indicação de que havia algo de errado uma vez que nunca mais encontrei uma situação em que o mesmo acontecia.
Não tenho a certeza se estes tropeções têm origem na versão a que tivemos acesso para a análise ou se também estarão nas cópias Tudo se solucionou com o sair do jogo e voltar a entrar algo que não me causou transtorno algum tal é o prazer de jogar
God of War 3.
Depois de acabar o jogo há outros incentivos para continuar a jogar como arenas e fatos novos para
Kratos. No entanto
God of War 3, na minha opinião ao contrário dos anteriores, não precisa de qualquer modo alternativo para nos fazer voltar jogar o jogo.
God of War 3 é simplesmente genial como jogo isolado e especialmente, como foi concebido, como sequela e capítulo final da aventura de
Kratos que se revela por inteiro nesta última batalha contra o Monte Olimpo e os seus habitantes. Quem não jogou os dois primeiros não conseguirá atingir a plenitude deste título mas não deixará de se maravilhar com o fruto do trabalho e criatividade dos rapazes dos estúdios de
Santa Monica.